A QUEM INTERESSAR
POSSA
Abriu a janela no exato momento em que
a garrafa com a mensagem passava, levada pelo vento. Pegou-a pelo gargalo e,
sem tirar a rolha, examinou-a cuidadosamente. Não tinha endereço, não tinha
remetente.
Certamente, pensou, não era para ele.
Então, com toda delicadeza, devolveu-a ao vento.
A PAIXÃO DA SUA VIDA
Amava a morte. Mas não era
correspondido.
Tomou veneno. Atirou-se de pontes.
Aspirou gás. Sempre ela o rejeitava, recusando-lhe o abraço.
Quando finalmente desistiu da paixão
entregando-se à vida, a morte, enciumada, estourou-lhe o coração.
CONTO EM LETRAS
GARRAFAIS
Todos os dias esvaziava uma garrafa,
colocava dentro sua mensagem, e a entregava ao mar.
Nunca recebeu resposta.
Mas tornou-se alcoólatra.
DE CABEÇA PENSADA
Tinha 30 anos quando decidiu: a partir
de hoje, nunca mais lavarei a cabeça. Passou o pente devagar nos cabelos, pela
última vez molhados. E começou a construir sua maturidade.
Tinha 50, e o marido já não pedia, os
filhos haviam deixado de suplicar. Asseada, limpa, perfumada, só a cabeça
preservada, intacta com seus humores, seus humanos óleos. Nem jamais se deixou
tentar por penteados novos ou anúncios de xampu. Preso na nuca, o cabelo
crescia quase intocado, sem que nada além do volume do coque acusasse o
constante brotar.
Aos 80, a velhice a deixou entregue a
uma enfermeira. A qual, a bem da higiene, levou-a um dia para debaixo do
chuveiro, abrindo o jato sobre a cabeça branca.
E tudo o que ela mais havia temido
aconteceu.
Levada pela água, escorrendo
liquefeitas ao longo dos fios para perderem-se no ralo sem que nada pudesse
retê-las, lá se foram, uma a uma, as suas lembranças.
Parabéns! Professora por compartilhar seu belo trabalho.
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