quinta-feira, 18 de junho de 2015

Poema





Ensinamento 




Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.



Adélia Prado






POEMA DE DUAS MÃOZINHAS




“E aquelas mãozinhas,

tão leves,
tão brancas,
riscavam as paredes,
quebravam os bonecos,
armavam castelos de areia na praia,
viviam as duas
qual João mais Maria.
À boca da noite
O Cata-piolhos
Rezava baixinho:
“Pelo sinal
da Santa Cruz
livre-nos Deus
Nosso Senhor”.
E aquelas mãozinhas
Dormiam unidinhas
Qual João mais Maria.
“Dedo-mindinho,
Sêo vizinho,
O Pai-de-todos,
Sêo Fura-bolos,
Cata-piolhos,
Quede o toicinho?
— o gato come.”
Nas noites de lua
Cheinhas de estrelas,
Sêo Fura-bolos
Contava as estrelas...
O Pai-de-todos
cuidava dos outros:
nasciam berrugas
no Cata-piolho.
E aquelas mãozinhas
Viviam sujinhas
Qual João mais Maria...
Um dia (que dia!).
O Dedo-mindinho
Feriu-se num espinho...
E à boca da noite
O Cata-piolhos deixou de rezar;
e João mais Maria, juntinhos,
ligados, pararam em cruz cobertos de fitas
que nem dois bonecos
sem molas, quebrados...
Quem compra uma boneca da loja de deus?


(Jorge de Lima, Poesia Completa. Vol. 1 p. 133-13)








A casa era de terra batida
No jardim boninas, Beneditas e beijos
Sinônimos de flores constantes
Na cozinha,que também era sala e quarto
Cheiro de charque e farinha
Na cama, que também era   sofá e mesa
Uma colcha de retalhos e uma boneca preguiçosa
Naquela casa,só os santos tinham lugar certo:
Uma cazinha de madeira.
Pequenininha e também super povoada.                                         

(Lisbhete lima)














                                        ABRAÇO 

Como é bom um abraço
Sem distância, sem espaço
Entre os que se querem bem
Como é bom um abraço
Quando ambos desejam
Quando ambos anseiam
E no encontro dos corpos
No toque da pele
Efervescência de energia acontece
E nesse momento único e belo
De troca de carinho e afeto
Onde tudo é emoção, coração
Se descobre se daquele toque
Será atingido o ponto de ebulição
Do sangue quente, fervente...
Ardente de tesão
Ou simplesmente um abraço
De amigo, irmão, companheiro
Que sabe da importância
Que nasce desde a infância
De se ter sempre por perto
Quem peça ou ofereça

Um terno e fraternal abraço.


Ozany Gomes




O menino que carregava água na peneira

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e
sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo
que catar espinhos na água.
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces
de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio, do que do cheio.
Falava que vazios são maiores e até infinitos.
Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito,
porque gostava de carregar água na peneira.
Com o tempo descobriu que
escrever seria o mesmo
que carregar água na peneira.
No escrever o menino viu
que era capaz de ser noviça,
monge ou mendigo ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor.
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os vazios
com as suas peraltagens,
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!



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